Ontem dei o primeiro passeio de carro com os meus pais sem a Daisy. Não sei se os doguinhos alheios são assim, mas a minha Daisy era uma chata. Fôssemos onde fôssemos eu agarrava-a cheinha de medo de uma travagem brusca ou algo do género. Ela, por sua vez, nunca parava quieta. Era uma guerra! Desfilava pelos bancos, subia para o meu colo, "ria-se" com a língua de fora a pingar, sujava o vidro com o nariz molhado e depois deitava-se de lado a apanhar sol e vento na barriga como se nada tivesse acontecido. Isto para a seguir repetir tudo do início outra e outra vez. Ontem a viagem foi demasiado calma. Fui sentada com as mãos sobre as pernas e os dedos entrelaçados, a sentir o vazio que ela deixou do lado esquerdo e com uma saudade brutal de não conseguir viajar em sossego.

Ontem também dei o primeiro passeio de carro com os meus pais após o acidente. Naquele domingo de manhã levantei-me cedo e fui tomar o pequeno-almoço com o Paulito e com amigos. Tinha acabado de receber o meu cappuccino quando a minha mãe me ligou. Seguiu-se um dia estranho em que prevaleceu um sentimento de impotência. A minha mãe no hospital, o meu pai sozinho a resolver tudo sem o carro para ir ter com ela e eu longe demais.

Fizemos coisas giras como "invejar" as pessoas estendidas nas toalhas enquanto as nossas narinas se abriam com o cheirinho a praia. Também fomos visitar os meus avós. Estão velhos, tão velhos. É tão estranho saber que são os meus avós e que estão velhos. O meu irmão mudou-se para a outra banda e eu lamento, lamento muito, que as coisas com ele sejam como são. Mas se não quis ser um estorvo na vida dele antes, não é agora que ele tem duas meninas e se foi embora que vou ser.

Estou bem, menos quando estou no trabalho ou quando penso nele; aí fico com raiva. Mas de resto estou bem porque 1) já consigo usar vestidos (e consequentemente encadear as pessoas com as minhas pernas pálidas) e 2) escrevi este texto em tom de desabafo, o que me acalmou um bocadinho os sentires (– e é exatamente por isto que eu escrevo).